A tecnologia a favor da sustentabilidade corporativa
A agenda ESG vive seu ápice no Brasil e no mundo, com empresas de diferentes setores e portes olhando para a sigla que remete a questões ambientais, sociais e de governança: Environmental, Social e Governance, em inglês. O papo sobre sustentabilidade corporativa não é novo, mas ganha outra roupagem a partir das três letras e com o interesse cada vez maior de consumidores e investidores por negócios realmente engajados com esses princípios. Isso porque, se levados a sério, os compromissos nestas áreas garantem não apenas lucros maiores, mas longevidade às corporações.
A prática, no entanto, não é fácil. Os responsáveis por implementar o ESG nas culturas organizacionais nem sempre sabem por onde começar e o pior: se aplicam o conceito sem materialidade ou relevância, podem cair na temível vala do ESGwashing e, assim, ter a reputação no mercado manchada.
Neste contexto, a tecnologia cresce em importância ao propor soluções e maneiras de implementar políticas alinhadas ao conceito ESG. Chamadas por alguns como ESGTechs ou ESG Enablers, empresas e startups focadas em inovação chegam para facilitar a implementação de processos voltados ao meio ambiente, social e governança em diferentes negócios.
"Ainda há uma falsa ideia de que para aplicar sustentabilidade é preciso aumentar custos, reduzir margem ou mudar até mesmo a qualidade de um produto. Por isso é importante ter os parceiros e um time adequados para propor clareza nessa jornada", comenta Leo Cesar Melo, CEO da Allonda, startup que desenvolve soluções de engenharia voltadas para problemas relacionados à água, resíduos, ar e energia, ao Economeaning.
Além de serem mais eficazes, as parcerias trazem vantagens financeiras, pois as corporações interessadas não precisam investir capital em testes para encontrar os processos ideais; elas utilizam uma solução já pronta. De acordo com o relatório da Distrito Inside ESG Tech, o ecossistema de startups tem alavancado o processo ESG das empresas brasileiras. Hoje já são 740 startups com soluções do tipo no Brasil.
O setor que predomina em número de startups é o de água e energia, com 144 empresas (17,96%). As soluções variam de gestão e otimização de energia ou água a geração de energia limpa, como a energia solar. Na sequência, destacam-se edtechs (10,22%), fintechs (8,73%), martechs (8,6%), hrtechs (7,73%), greentechs (5,61%), negócios sociais (4,24%), indústria 4.0 (3,39%), agtechs (3,12%) e biotechs (2,99%).
Empresas de tecnologia já consolidadas, como a SAP, por exemplo, também têm reforçado sua estratégia para auxiliar companhias brasileiras na busca de dados analíticos para seus desafios ESG. Recentemente, a empresa mapeou como suas soluções podem ser utilizadas para levantar, analisar e medir 90 indicadores essenciais de desempenho econômico, ambiental e social propostos pela Global Reporting Initiative (GRI) – organização internacional que ajuda empresas, governos e instituições a compreender e comunicar o impacto dos negócios em questões críticas de sustentabilidade.
Segundo Luciana Coen, diretora de Comunicação Integrada e Responsabilidade Social Corporativa da SAP Brasil, o papel da tecnologia é o de habilitar iniciativas ESG. “Queremos mostrar como a inclusão de boas práticas com o suporte da tecnologia pode contribuir para que as operações se tornem mais competitivas, transparentes e sustentáveis”, explica a executiva em comunicado.
Environment + Internet das Coisas
Hoje são muitas as tecnologias aliadas ao ESG. A Internet das Coisas (Internet of Things, ou, IoT em inglês), que tem por objetivo conectar dispositivos à internet, tem sido usada na busca pela eficiência energética. Ela oferece uma série de possibilidades para que as empresas ajustem seus processos aos mais modernos padrões de sustentabilidade.
Em 2018, o Fórum Econômico Mundial publicou um documento (Internet of Things Guidelines for Sustainability) no qual 643 aplicações de IoT foram analisadas. Ao menos 84% delas estariam em concordância com os objetivos da ONU ligados ao desenvolvimento sustentável.
Esse documento corrobora a ideia de que a inovação, mais do que necessária, é imprescindível para que as metas globais em prol do meio ambiente sejam atingidas. Segundo a consultoria McKinsey, até 2025 a IoT movimentará USD 11 trilhões.
Fato é que a tecnologia torna possível o monitoramento de diversos equipamentos em tempo real, e de qualquer lugar do mundo, possibilitando a tomada de decisões e ações fundamentadas em dados. Ao capturar informações e centralizá-las em uma plataforma é possível controlar os ambientes monitorados - de escritórios, salas até fábricas - e identificar todos os dispositivos que estão ou não estão em conformidade com a eficiência energética desejada.
Além disso, a combinação da IoT com a Inteligência Artificial (IA) e o Machine Learning (ML) nos equipamentos aumenta a eficiência e gera ainda mais impacto na redução de custos e de danos ambientais. Alguns casos de uso apontam uma diminuição no consumo de energia de até 40% utilizando essas tecnologias.
A agricultura é certamente um dos setores em que IoT e sustentabilidade têm maior potencial de sinergia. Dados da ONG World WildLife Fund (WWF) mostram que 70% de toda a água consumida no mundo provém da agropecuária, mais que o dobro necessário para as atividades manufatureiras e civis. Muitas áreas de cultivo ainda não contam com sistemas inteligentes de irrigação, nem são capazes de identificar vazamentos de água.
Diante desse cenário, as soluções de IoT já se provaram como alternativas para solucionar problemas similares. A tecnologia permite integrar sensores de umidade que avaliam o exato momento para que todo o sistema de irrigação seja acionado. Além disso, ela consegue averiguar, em tempo real, o consumo de água nas lavouras e detectar vazamentos ou fraudes que sobrecarregam o abastecimento.
O armazenamento e o transporte dos alimentos também estão intimamente ligados a uma das grandes questões da atualidade: o aquecimento global. Pesquisas da ONU indicam que ao menos 1/3 da produção agrícola mundial é danificada ou estragada antes de chegar ao consumidor final. Por essa razão, todos os dias, toneladas de alimentos são depositadas em lixões, emitindo enormes quantidades de metano ao meio ambiente.
Novamente, a tecnologia pode ser aplicada para mitigar a pegada ambiental, com impacto positivo direto no ar atmosférico e nas sociedades, sobretudo aquelas que ainda sofrem com a fome em massa. O monitoramento e o controle da temperatura dos caminhões de transporte podem facilmente ajustar as melhores condições para a conservação dos alimentos. Fora isso, o acompanhamento em tempo real das cargas permite detectar com agilidade qualquer acidente ou roubo que possa acontecer.
Social + Blockchain
A tecnologia Blockchain, por sua vez, tem apoiado empresas a rastrear a cadeia de fornecedores para combater o trabalho análogo à escravidão. A ONG Instituto Alinha, por exemplo, lançou em 2019 um projeto que mapeia costureiros e oficinas e os conecta a marcas de roupas por meio da tecnologia.
Neste caso, o Blockchain serve para reunir os relatos dos costureiros sobre quanto receberam pelo trabalho e em que condições. Para a marca, basta fazer o login no site e para os costureiros, o acesso se dá pelo celular. A marca, então, cria a peça e insere as informações sobre a cadeia de produção, incluindo qual oficina realizará cada etapa, quantidade de peças, valor unitário, prazo etc. Os trabalhadores são notificados pelo celular para confirmarem aquelas informações.
No fim, o histórico (ou a cadeia de blocos) de cada peça é publicado em um site que o consumidor pode acessar com um código de seis dígitos, entre letras e números, que vem na etiqueta. A ideia é permitir que os consumidores tenham condições de rastrear pelo celular as roupas pelas quais se interessam, deixando de comprar das grifes que, por cumplicidade ou negligência, toleram trabalho análogo à escravidão – uma realidade comum neste segmento produtivo.
Segundo a fundadora do projeto, Dariele Jamile dos Santos, o foco são as confecções de pequeno e médio porte que representam cerca de 76% da produção de moda no país, além de ser a parte que reúne mais denúncias sobre essas más condições de trabalho. Na ocasião, a iniciativa baseada em Blockchain foi laureada com o prêmio SAP Brasil e recebeu R$ 110 mil do Instituto C&A.
Vale lembrar que, em 2018, mais de 81 mil trabalhadores foram resgatados em situação de trabalho análogo à escravidão ou forçado no Brasil, segundo uma plataforma pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). Desse total, 2% ligados ao setor de confecções.
Na mesma linha, a própria C&A anunciou este ano uma parceria com a Blockforce, startup de impacto social que usa Blockchain, para acompanhar de perto os itens de sua marca comercializados na rede. Segundo o anúncio da empresa, a meta é ter 50% da produção no Brasil mapeada com a tecnologia até o final de 2021.
Embora a companhia não tenha revelado detalhes de como o consumidor final terá acesso às informações de cada peça registrada em Blockchain, tudo indica que haverá um QR Code que, ao ser escaneado, revelará as informações da procedência da roupa e de todos os detalhes da cadeia de produção.
Governance + Inteligência Artificial
Por fim, a Inteligência Artificial e outras ferramentas digitais podem ser grandes parceiras nos processos de governança corporativa, de acordo com a pesquisa Tech Trends 2020 da Deloitte Brasil. Segundo Fábio Pereira, sócio de Tecnologia, Estratégia e Arquitetura da companhia, a IA, junto de soluções de análise de dados, é capaz de criar sistemas de prevenção ética que identificam possíveis desvios de conduta dentro das empresas.
Um case, que começou como teste, explica melhor a relação entre os robôs e a governança corporativa. Em 2014, a Deep Knowledge Ventures (DKV), uma gestora de fundos de investimentos em alta tecnologia baseada em Hong Kong, apontou um software de IA como membro do seu conselho de administração, com direito a voto e veto em decisões de investimentos.
O software coletava e agregava de forma automática uma imensidão de dados sobre 12 mil empresas, simulava um due diligence (diligência prévia) e, com uma metodologia própria de análise, indicava se o fundo deveria ou não investir em determinada empresa. Caso os conselheiros da DKV e o software discordassem, o investimento não era feito até que a divergência pudesse ser sanada com mais dados e análises.
Isso é o que se chama no mercado de automação inteligente, na qual o robô tem a visão de todo o processo e participa das decisões. Por meio do processamento de dados, a IA coleta uma informação no sistema e aplica equações para oferecer informações adicionais de forma que gestores tomem decisões. Com este tipo de aplicação, a governança aprimora a conduta ética da empresa e fortalece a transparência, demonstrando postura íntegra ao mercado.
A varredura de informações vai além dos CNPJs. Hoje em dia, os departamentos de Compliance das grandes empresas já utilizam plataformas avançadas de análises de dados para monitorar todas as pessoas envolvidas com o negócio. Assim, antes das negociações, é possível pesquisar informações relevantes, tais como: eventuais vínculos suspeitos entre fornecedores e colaboradores internos; sócios com processos em aberto na Justiça; pessoas politicamente expostas; entre outros itens que podem indicar alertas contra fraudes.
Outro exemplo é a startup Datarisk, que oferece uma plataforma baseada em IA capaz de criar modelos de previsão de risco na concessão de crédito e análise de dados para gerir o risco dos investimentos de uma empresa. O algoritmo estabelece scores de crédito em tempo real, reduzindo potenciais casos de inadimplência. A plataforma ainda integra soluções antifraude, modelos de prevenção ao risco, considerando acionistas externos, como os tomadores de crédito, de forma individual.
ESG +T
Por conta disso tudo, o T (de tecnologia) conquista um espaço central das discussões – e nas execuções – de estratégias ESG dentro das empresas. Com diversas soluções inovadoras, as organizações têm chances de construir um futuro baseado em sustentabilidade e de colocar a tecnologia a favor do bem-estar global. Mas vale lembrar que, apesar disso, a tecnologia é apenas uma aliada e cabe às pessoas dentro das instituições transformar esse futuro em presente.
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