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Mitos e verdades sobre a inflação verde

Foto do escritor: Gustavo Pinheiro - ColunistaGustavo Pinheiro - Colunista

Atualizado: 25 de abr. de 2023

Recuperação da pandemia e tensões geopolíticas têm maior impacto nos preços do que a transição para uma economia carbono zero


Na década de 1970, os choques do petróleo levaram à alta da inflação. O petróleo barato anterior à criação da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), encorajava o desenvolvimento baseado no uso intensivo de energia fóssil até outubro de 1973, quando o embargo da OPEP aos países aliados de Israel na guerra de Yon Kippur desencadeou a primeira crise do petróleo. O preço do barril do petróleo saltou de USD 3 para USD 12 entre outubro de 1973 e março de 1974, alta de 300% em 5 meses.


Passados 48 anos desde o primeiro choque do petróleo, falar da inflação verde na cobertura econômica tem se tornado um mantra. A hipótese aventada por inúmeros analistas e jornalistas econômicos é de que a transição para uma economia de baixo carbono deprimiu o investimento em combustíveis fósseis desde a assinatura do Acordo de Paris, e reduziu a oferta de óleo e gás. A retomada da economia após o choque causado pela Covid-19 ampliou fortemente a demanda, pressionando os preços da energia.


Quanto desta hipótese se sustenta perante as evidências observadas na economia global?


A alta do petróleo em 2021 é real. A cotação internacional saltou da casa dos USD 40 no fim de 2020 para os 80 dólares em Outubro de 2021. Porém o petróleo está distante do recorde de preço observado em 2008, quando atingiu 140 dólares por barril.


Também é real a queda do investimento em petróleo e gás. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), o investimento em petróleo e gás recuou de 779 bilhões de dólares em 2014 para 328 bilhões de dólares em 2020. A redução de investimentos em petróleo e gás é observada desde 2015, ano em que foi assinado o Acordo de Paris.


Se contribuíram para reduzir o investimento em petróleo e gás, as promessas de um futuro de baixas emissões de gases de efeito estufa ainda não se traduziram em aumentos nos investimentos em projetos de energia limpa na magnitude necessária.


O setor de energias renováveis não tem enfrentado escassez de recursos, e as emissões de dívida sustentável atingiram um recorde de 600 bilhões de dólares em 2020. Mas os fluxos financeiros cresceram mais rapidamente do que as despesas de capital em energia renovável.


Segundo a AIE há uma carência de projetos de energia limpa de alta qualidade. Isso é agravado por canais inadequados para orientar os fundos disponíveis na direção certa e pela falta de intermediários capazes de combinar o capital excedente com as necessidades das empresas e dos consumidores.


Outro fator que diferencia a alta dos preços do petróleo atual da crise da década de 1970, é que os fatores que pressionam a inflação de energia no mundo todo são variados e não necessariamente relacionados à alta da cotação internacional do petróleo.


Na China, a escassez de energia tem raízes na restrição à importação de carvão mineral australiano, desde que a Austrália pediu uma investigação internacional sobre as origens da pandemia de Covid-19. Apesar da crescente tensão, a China está suavizando a restrição, permitindo que os navios desembarquem carvão australiano. No auge da crise entre China e Austrália, mais de 70 navios, com 1.400 tripulantes, permaneceram fundeados na costa chinesa sem poder desembarcar.


No Reino Unido, a crise de desabastecimento tem raízes no Brexit, que limitou a atuação de caminhoneiros de outros países europeus no país. Pesquisa da Associação de Transporte Rodoviário do Reino Unido estima que faltam 100 mil motoristas profissionais no país. A maior parte deste déficit era coberta por motoristas de outros países da União Europeia.


A crise de energia na Europa continental por sua vez apresenta múltiplas causas. O aumento do preço do gás no atacado de 250% desde Janeiro se deve a diversos fatores. A forte recuperação econômica pós pandemia, a queda na produção de energia eólica, o aumento da demanda global por gás natural, e entregas de gás abaixo do esperado da Rússia, insuficiente para recuperar os estoques utilizados após o último inverno. Como consequência, o preço da eletricidade no continente já é o dobro de um ano antes.


Nos Estados Unidos, a retomada da economia pós Covid-19 também tem pressionado a cadeia logística e os preços. Caminhoneiros estão recebendo pagamento de bônus de assinatura, enquanto se multiplicam os navios com contêineres ancorados nos principais portos do país, esperando liberação para desembarcar. Os portos de Los Angeles e Long Beach, principais portas de entrada de importações da China, registraram 73 navios em espera em Setembro, o dobro do registrado em Agosto.


No Brasil, a inflação ao consumidor alcançou os dois dígitos em 12 meses, alimentada pela alta nos preços dos bens industriais, reforçada por uma inflação de serviços e pressões de alimentos, combustíveis e energia elétrica. Refletem a retomada da economia, gargalos nas cadeias produtivas, a desvalorização do Real, aumentos dos preços das commodities e as condições climáticas desfavoráveis.


As evidências de cada região nos mostram que não existe uma única crise global de energia. Há crises distintas, em várias partes do planeta. Diferentemente das crises do petróleo da década de 1970, as causas não estão relacionadas à restrição sistemática de oferta de óleo e gás.


Não há evidências de que a descarbonização da economia global é o principal fator da inflação global. A alta dos preços têm sido alimentada principalmente por desarranjos nas cadeias logísticas, gargalos e desequilíbrios decorrentes da retomada da pandemia, e pelas tensões geopolíticas da Guerra Fria 2.0.


*Gustavo Pinheiro é Coordenador de portfólio de economia carbono zero do Instituto Clima e Sociedade. Ele apoia iniciativas que contribuam para a aceleração da descarbonização daeconomia brasileira. Também é co-fundador da Convergência pelo Brasil, rede de líderes financeiros incluindo ex-ministros e banqueiros centrais; da Climate Ventures, organização sem fins lucrativos que catalisa o empreendedorismo de soluções climáticas; da Investidores pelo Clima, rede de engajamento e desenvolvimento de capacidades que reúne investidores Brasileiros para a adoção de Metas Baseadas em Ciência e Compromissos de Descarbonização de Portfólio e do fundo de participações em empreendimentos de impacto socioambiental Bratus Natural Capital. **O texto não reflete necessariamente as opiniões do Economeaning.


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